"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

domingo, 24 de outubro de 2010

Não adianta


Há algumas semanas comecei a assistir à sexta temporada de House. Após um primeiro episódio duplo excelente, vieram alguns de enrolação apresentando um processo de humanização do protagonista que ainda estranho um bocado. Mas ao chegar ao nono episódio, “Ignorance is Bliss”, deparei-me com uma questão que é tema recorrente em conversas com meus amigos: o quanto a aquisição de cultura nos faz crescer e ao mesmo tempo nos torna cada vez mais angustiados.

Na verdade, este aparente paradoxo inteligência/felicidade é constante na série, visto House ser tão genial quanto infeliz. Mas, dessa vez, o foco é um paciente: um físico com um QI 178, com trabalhos geniais em sua juventude, que resolve trabalhar como entregador e se afasta completamente do meio acadêmico. No desenrolar do episódio, vemos que o paciente se drogava com uma mistura de álcool e um medicamento com a finalidade de “emburrecer” e conseguir viver uma vida normal com sua esposa. O motivo é que, com sua inteligência extraordinária, não conseguia conviver com sua companheira, sem diminuí-la constantemente.

Foi inevitável lembrar as conversas citadas no primeiro parágrafo, sobre o quanto os livros, discos, filmes podem formar pessoas melhores, mais críticas e ao mesmo tempo mais angustiadas, infelizes por pensar demais. No meu caso, penso nos artistas fundamentais em minha formação, que me fizeram ser o Ricardo de hoje. Será que se aos 7, 8 anos eu não estivesse ouvindo Legião Urbana – “eu quis o perigo e até sangrei sozinho” pode ser pesado para um pré-adolescente – eu seria mais feliz hoje? Se eu não me apaixonasse por Machado aos 14, se não aprendesse inglês traduzindo Beatles e Smiths na mesma época, se não tornasse Dostoievski minha bíblia aos 19, se aos 20 e pouco não mergulhasse no universo de Rubem Fonseca, se aos 23 não me apaixonasse por Saramago – sem contar Borges, Yorke, Corgan, McEwan, Young, Allen... – se não fossem esses e outros tantos ‘ses’, seria mais feliz hoje, conseguiria levar o mundo de forma mais leve, pensaria menos, ‘aproveitaria’ mais?

Não há resposta para essa pergunta. Meus amigos e eu, vez por outra, desabafamos e nos iludimos pensando em como seria bom pensar menos, contentarmo-nos com pouco, sermos mais ignorantes e, por consequência, mais felizes. Mas ao nos depararmos com o comportamento da maioria absoluta de idiotas ao redor, acabamos voltando atrás envergonhados, envergando, sem um pingo de orgulho, um sorriso melancólico.

Esse texto pode parecer arrogante ou presunçoso para quem não me conhece ou me conhece pouco. Estou longe de ser um gênio como o personagem motivador deste texto e penso que as poucas referências citadas anteriormente apenas confirmam isso por tratarem-se basicamente de cultura pop, o combustível de minhas angústias e de minhas glórias.

Ou, como escreveu Jeff Tweedy, outro de meus heróis: “I wonder why we listen to poets when nobody gives a fuck”.

Por Ricardo Pereira
"I fear that I am ordinary,  just like everyone"

7 comentários:

  1. Que leitura boa! Eu já pensei e penso assim muitas e muitas vezes. Não é arrogância, pode ser desespero, rs. A maioria das pessoas não gosta de pensar sobre as coisas, apenas vivem. Enquanto para outras pensar para viver é natural. As leituras nos escolhem, as personagens... Tornam o mundo pensante menos solitário. Se por um lado causa estranhamento, por outro nos permite conhecer sutilezas da vida que seriam impossíveis sem um olhar mais sensível a tudo... Mas, a gente vai vivendo e aprendendo a emburrecer quando necessário, sem perder o brilho que revela além da superfície.:)

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  2. Engraçado como amigos continuam com os mesmos questionamentos apesar das distâncias... Eu também sempre me questiono essas coisas, mas longe de você, Ricardo, nem converso muito sobre essas coisas da alma. Meus amigos aqui do Rio são mais alegres. E isso é bom, e combina muito comigo, mas sinto falta dessas nossas conversas... Tenho que ver esse episódio! E tenho que ir a Angra!!

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  3. Oi, Norielem, que bom que gostou! É exatamente isso que falou. Interessante essa questão do 'desespero' rs Sobre as personagens nos escolherem, parece com uma mania minha que é gostar de andar em bibliotecas e livrarias com a esperança que um livro que vá mudar a minha vida me escolha. Às vezes dá certo! rs

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  4. Porra, Nina, "meus amigos daqui são mais alegres" rsrs que isso?! rs

    Saudades de você, vê se aparece sim quando puder! E o ep é foda, vale a pena!

    Beijo

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  5. Esquece essa história de arrogância, Ricardo, não se trata disso, na verdade desde sempre, ainda com dois aninhos de idade, uma veia sensível em você já pulsava ao som de Chico Buarque, e uma outra veia, ou todas as suas veias juntas, rogavam insistentemente para que ninguém te/nos interropesse enquanto ouvíamos "o meu guí", a sua, então, predileta do Chico. Quantas outras crianças não terão sido ninadas ao som das músicas de Chico ou de outros gênios da música mundial? Creio que algumas o foram pelo mundo afora, mas quantas tiveram essa veia sensível da intelectualidade norteando as suas escolhas pela vida? Certamente todas cresceram ricas de sensibilidade, mas podem ter ido por outros caminhos que não o da música ou da literatura, como no seu caso. O que estou querendo dizer é que todas essas nuances da tua personalidade já faziam parte de você, a sensibilidade, o gosto pela nostalgia, uma certa melancolia... enfim, essa alma de homem intelectual já nasceu com você, que teve a sorte de ser muito estimulado na infância e poder alimentá-la com músicas e livros para que pudesse ser hoje a pessoa que você é.
    Mas eu concordo plenamente com a sua reflexão sobre o poder da música a nos impregnar desse modelo do amor romântico, onde a felicidade parece só ter lugar no fim da história - só que na vida real nunca sabemos quando é o fim - e vamos vivendo, através das nossas preferidas e belíssimas canções, os nossos sonhos de amor e as dores dos desamores... mas a melancolia, essa sensação de uma ausência que, às vezes, nem sabemos de quê ou de quem, nem todas as almas conhecem de perto... e não sei dizer se isso é bom ou ruim, só sei que eu também já desejei muito sentir a leveza e a alegria que imagino serem próprias das pessoas mais simples e mais alienadas... Contraditoriamente vivo e reclamar com meus alunos que eles não sabem pensar, não querem ou têm preguiça.

    Você e o Hugo estão de parabéns pela iniciativa desse blog. Adorei. Vou revisitá-lo sempre e recomendar aos meus amigos. Beijos pra vcs dois!

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  6. Poxa, tia, obrigado pelas palavras. Há um exagero de madrinha coruja, mas a gente releva rs

    Volte sempre mesmo, sua participação é muito importante, como o Hugo já bem falou!

    bjs

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  7. Parabéns professor, amei o seu texto principalmente por falar de house, adorei os argumentos utilizados!
    Além de ser um ótimo professor e botafoguense é um excelente escritor!
    Beijos.

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