"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Varrer a areia da praia

Noel Gallagher já tinha lhe avisado há muito para não colocar sua vida nas mãos de uma banda de rock n’ roll que poderia colocar tudo a perder. Foi uma lição razoavelmente fácil de ser apreendida. Mas como aprender a não colocar sua vida nas mãos das mulheres?

Quando novo, chegou a desejar no futuro encontrar um grande amor para que pudesse ser chutado e sentir o sofrimento expresso em suas canções favoritas. E isso bem antes de conhecer os lamentos de Morrissey que iriam mudar sua vida, fazendo com que se tornasse mais dramático e exagerado do que o recomendável.

Em sua inocência, acreditava que sofrer por amor seria como encerrar um livro ou sair do cinema deslumbrado com mais um filme irrepreensível, em que ficaria ‘preso’ àqueles sentimentos por um tempo até o próximo. A verdade é que se cercou de uma barreira poderosa, quase intransponível: a idealização. 

Apaixonou-se uma vez e por muito tempo carregou seu amor como um fantasma, uma sombra que obscurecia qualquer pessoa que ousasse se aproximar. Com esse amor aprendeu muito, viveu, de certa forma, seu sonho do amor-perfeito até o fim. O fim. O fim mostrou o sofrimento real, tão distante da dor romanceada da sua juventude.

Passou bastante tempo só, distraindo-se com relações vazias ou outras agradáveis, como estar se envolvendo com grandes amigas com que se divertia e, mesmo depois de um tempo, podia separar-se sem dor, mágoa ou arrependimentos.

Porém, uma simples guinada do destino lhe trouxe um novo amor. Assim lhe pareceu na época. Suas defesas foram rompidas, sua frieza parecia inexistir... cegou. O mundo não cansou de avisar, mas ele não queria saber, ignorava todas as evidências, conselhos, recomendações, estes eram como outdoors espalhados por seu caminho. Tantas propagandas repetidas, que, concentrado em seu caminho, ele guardava apenas uma breve imagem, não absorvia o conteúdo.

Inconsciente e pateticamente inspirado em uma canção cujo eu-lírico vive uma situação em que deixa a segurança do seu mundo por amor, mudou muito de sua vida. Arriscou com a coragem dos que pensam não ter nada a perder, e acabam “vendendo fácil o que não tinha preço”.

Pouco tinham em comum, mas se iludiam do contrário. Apesar disso, construíram um relacionamento bonito, as dificuldades apenas os faziam crescer. Eram muito sinceros, construíam sua felicidade sempre revertendo placares adversos. E ele, ainda que distante do menino de outrora, sentia-se novamente forte e voltou a acreditar em tudo que idealizava.

Ainda que todos afirmassem o contrário, ele acreditava que era um Amor que poderia durar muitos anos. Como se todo o aprendizado de anos dedicados a suas canções favoritas não servissem de nada. E, como em uma comédia romântica idiota, cujo final pode ser antecipado por todos desde a primeira cena, num momento mais difícil, sua relação aparentemente estável mostrou-se frágil e chegou ao fim.

Ele não pode dizer que não foi avisado. Logo depois do rompimento, um exemplo de falta de respeito e desconsideração da parte dela, que poucos antes afirmava com convicção a eternidade do que sentia, tirou-lhe o chão e o fez sofrer como seus exemplos da juventude. E não podemos deixar de lembrar que, mais uma vez, ele havia sido avisado que “a vida é diferente. Ao vivo é muito pior.”

Dizem que a hora mais escura é aquela de momentos antes do alvorecer, mas as trevas insistiram em durar. Ela nunca teve ideia do que ele passou. Volúvel, não foi difícil para ela encontrar novas amizades no submundo, mesmo que, para isso, negasse o que julgava ser sua verdade até então: falsidade, ‘novas experiências’, a extravagância a atraía. Mas nunca deixou de alimentar nele um resquício do amor que ela deixou para trás, cultivando um discurso para ele e outro, vivenciado, para o mundo.

O tempo, o álcool, os amigos e a construção de uma nova barreira contra os sentimentos o fizeram tocar a vida em frente. Ele, que sempre a levantou em seus piores momentos quando estavam juntos, sofrendo com ela e procurando afastar uma depressão cíclica que a atormenta, fez questão de se fazer presente em um momento inesperado: a morte de sua mãe, a pessoa com que ela mais podia contar. Neste momento, não era possível ver por perto nenhum de seus ‘amigos’ aproveitadores.

Em uma noite bêbada e frustrante, ela resolveu recorrer a ele, que vinha aparentemente se reerguendo, e o trouxe novamente para seu mundo. O impacto para nosso patético personagem foi imenso, mas só para ele... Ela arrependeu-se no dia seguinte e fugiu, correu dele de todas as formas possíveis, seu ‘novo mundo’ era muito mais excitante e prazeroso. Pessoas dúbias, ebriedade, dança, luzes, tudo era um mundo vívido se comparado ao nosso homem decadente. Para ela, apenas um esboço em preto e branco de seu passado.

Ele, que nunca entendera a raiva presente em seus discos preferidos de fim de relacionamento, pôde finalmente sentir a mágoa e o desprezo que tantas vezes cantou sem compreender. Mas, surpreendentemente, o que poderia se configurar como mais uma tragédia particular em sua vida, serviu como combustível renovador, tratando de o levar para um território psíquico já conhecido e que sua – pouca, mas fundamental -  experiência faz com que não seja mais negado. Pois é ali, onde sempre esteve, numa espécie de eterno retorno entre as quatro paredes da vida, que se encontra o elemento que, ele sabe, mais cedo ou mais tarde, ainda vai o libertar.

"Estamos indo de volta pra casa"

Por Ricardo Pereira

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