"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Bebendo com Dylan


Hoje Bob Dylan veio me visitar, apareceu pra beber comigo.

O dia começou estranho desde cedo, uma solidão que não era só minha. Em um tempo em que a tristeza e a melancolia deram um tempo de mim, resolveram aparecer juntas sem motivo aparente. E, durante o dia, liguei umas sete vezes para meus pais; troquei mensagem com meu amigo Hugo a respeito do livro que ele me emprestou – um pouco responsável pelo clima disso tudo –; senti vontade de falar com o Pedro, com meus irmãos. Um modo de não estar tão só no meu canto que normalmente me é mais do que suficiente.

Cheguei a casa com este sentimento de incompletude. Amigos de longa data preparando-se para beber a trezentos quilômetros de distância e minha garota também longe saindo para se divertir com amigos só aumentaram minha solidão. Até que a campainha toca e Dylan aparece com um punhado de boas cervejas e as palavras sempre oportunas.

Bebemos juntos, assistimos futebol, apresentei Cartola a ele – aprovadíssimo –; escutamos Wilco, ele disse que algumas daquelas canções ele teria escrito aos 30; sobre o Radiohead, comentou que é provavelmente o que faria se tivesse 30 hoje em dia. Não gosta de comentar a própria obra, por mais que eu insista... Mostrei-lhe a versão do Jeff Tweedy para “Simple Twist of Fate”, não proferiu uma palavra, percebi a aprovação apenas pelo brilho de seu olhar.

Comecei a falar da importância do Blood on the tracks para mim, o disco que contém “tudo o que um ser humano pode aprender sobre o amor”, segundo li em algum lugar que não me lembro agora. Ele julgou a afirmação estúpida e zombou dos que cultuam toda a dor presente naquelas dez canções.

À medida que fomos ficando bêbados, seus conselhos pareceram cada vez mais incompreensíveis e encantadores. Sua voz impregnou de tal forma meus pensamentos, suas frases ecoavam de tal maneira em minha mente, que não percebi sua retirada. O jogo havia acabado, as cervejas também, já não me sentia tão só.

Como um mantra ou um disco arranhado, uma voz roufenha e alcoolizada ocupava meu pensamento: “all that you can do is do what you must”.

E, desta forma, pude dormir em paz.


Por Ricardo Pereira

3 comentários:

  1. A cara dele falar mal do Blood on the tracks...
    Acho que ele se sente exposto demais no que há nas faixas ensanguentadas... Como algo que alguem escreve sobre si e depois não quer ler...
    As vezes o David Crosby aparece na minha casa também... Não enchemos a cara: Falamos sobre o tempo... As vezes outro cara que escreve demais também aparece na P. do Jardim. Esse a Lú pode ver também. Com esse não apenas falamos, mas vivemos o tempo!

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  2. Poxa, Cecel, obrigado, lindo comentário!!

    Exatamente isso sobre o Dylan, e nosso amigo bigode (o gringo, mas tb o Belch hehe) vez ou outra me visita e sempre fala de você!

    Abraço

    Ricardo

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