"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fascinação


Às mães são reservadas intimidade e uma ligação extraordinária, a começar por dois fatores de grande beleza: a gestação e a lactação. Os pais, normalmente porto seguro, confiança e proteção inesgotáveis, podem sentir-se levemente injustiçados em algum momento por esta supremacia materna. Estes ignoram um importante vínculo de ligação entre pai e filho: o futebol. Poucas coisas no mundo podem ser maiores para um pai do que levar o filho ao estádio para ver jogar seu time do coração.

E com este pensamento, o homem entrou no Engenhão de mãos dadas com seu filho. A primeira vez do rapazinho em um estádio de futebol. Um jogo aparentemente sem importância maior, seu Botafogo contra o lanterna do campeonato. E, desde a entrada, o pai, homem feito, acompanhou todo o espetáculo como se voltasse no tempo, admirando cada detalhe pelos olhos de seu filho.

O pequeno camisa sete, ao chegar à arquibancada, era todo ansiedade. Perscrutava tudo com olhos arregalados e certa seriedade respeitosa. Seu primeiro comentário foi: “pai, o campo parece tão menor do que na televisão!”. E, continuou sua observação, detendo-se na torcida, ouvindo os cantos, a tudo observando com uma atenção e concentração de pequeno adulto.

Os times entram em campo, o jogo começa e o pequeno a observar tudo com os olhos brilhando de excitação. “Pai, pai, olha o Seedorf! É diferente dos jogadores comuns, parece um super-herói!” E não é que o menino estava certo? A postura, o caminhar, uma aura de liderança e grandeza diferenciava o craque holandês dos demais atletas. Taí! O super-herói da camisa 10!

Logo no começo da partida, um ataque do adversário, susto e defesa segura de Jefferson. “É muito bom goleiro, né, pai?” “Muito, filho, o melhor do Brasil” Tal declaração peremptória vinda do pai pareceu ao garoto garantia de segurança eterna, na facilidade que as crianças possuem de lidar com a eternidade.

O jogo prossegue e não demora o primeiro gol. Para alegria e êxtase do estreante em estádio, de seu mais novo herói. Após boa trama do ataque alvinegro, Seedorf! E, na comemoração, de mãos para o alto, aquele negro forte parecia mesmo ter super poderes!

Alguns minutos depois, ao bater um escanteio, Seedorf sente a coxa e precisa ser substituído. Sai de campo chorando. E o pai acha tão cedo ter que explicar ao filho sobre a falibilidade, a humanidade de nossos heróis... Mas o filho, felizmente, nada percebe. “Está muito fácil, filho, ele foi armazenar energia para as próximas partidas!”.

No final da primeira etapa, como num filme da sessão da tarde, a inversão de papéis. Cruzamento de Andrezinho, gol de Dória! E o pai até se surpreende ao comemorar de forma tão efusiva o primeiro gol do jovem zagueiro como profissional. Há tanto tempo não gostava tanto de um zagueiro de seu time (Gottardo? Gonçalves? Sandro provavelmente...) e estava realmente curtindo acompanhar o crescimento de uma promessa vinda das divisões de base. E o garoto sorria discreto, ao ver o pai como menino festejando o jovem defensor.

Mal o segundo tempo começa, Jefferson dá uma bola a Gabriel – outra jovem promessa virando realidade –, o volante segue, segue, passa o meio campo, o braço gordinho de criança aponta: “pai, pai, olha, ele tá sozinho!”, nenhum adversário chega na marcação, o chute de longe: gol! E agora o menino arrisca timidamente uma comemoração um pouco mais expansiva, para deleite do pai.

E, para a festa ficar completa, não poderia faltar gol dele. Bruno Mendes, outro menino, este contratado recentemente e começando sua carreira no Botafogo com pé direito, fazendo gols seguidamente. Ao desferir o belo remate ao gol, deixou o filho perplexo: “Mais um, pai, todo jogo ele faz gol!!”.  Seria encantamento parecido com o que ele próprio sentia na adolescência ao ver os gols frequentes de Túlio Maravilha? Cedo pra dizer, mas uma delícia acompanhar.

Saem os dois do Engenhão, pai e filho com cabeça e coração a mil. O homem sente, em suas mãos, a mãozinha quente do filho, lembra dos primeiros anos de vida do menino, em que toda estrela - no céu, em filmes ou livrinhos - era o Botafogo e sorri orgulhoso. Orgulho proporcionado por uma equipe ainda em formação, que não ganhou ainda um título relevante, mas que em um sábado quente no Rio de Janeiro ganhou o coração de uma criança e, com ele, a eternidade.

 Por Ricardo Pereira

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