"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

domingo, 16 de dezembro de 2012

Revisitando Twin Peaks


Apenas dois anos após ter assistido a série completa, retornei a Twin Peaks. Foi uma experiência ainda melhor acompanhá-la já sabendo tudo sobre o enredo, sem nenhuma outra preocupação a não ser aproveitar aquela cidadezinha cativante e seus estranhos personagens. O grande desperdício para quem se dispõe a percorrer todos os episódios é se ater à premissa da série, brilhantemente trabalhada no episódio piloto: descobrir o assassino de Laura Palmer. Ainda que tenha sido este mistério o responsável pela 'febre' Twin Peaks durante sua exibição, o grande mérito do programa é expor as singularidades e recessos ocultos por uma aparente normalidade dos moradores de uma pacata cidade interiorana.

Nosso guia pelos tortuosos caminhos de Twin Peaks, o agente especial Dale Cooper, magistralmente interpretado por Kyle MacLachlan, é uma espécie de espelho do espectador, pois vamos descobrindo e encantando-nos com a cidade a partir de seu olhar, suas descobertas, emoções e curiosos métodos de investigação. Sempre bem vestido e com penteado impecável, Cooper vai, pouco a pouco, identificando-se com a simplicidade e beleza que encontra na pequena região. Ao mesmo tempo, os mistérios e excentricidades encontrados revelam a existência de um lado sombrio por trás de tanta 'tranquilidade'. Black Lodge, White Lodge, pedrinhas pretas e brancas. Alguém falou em Lost?

Já se tornou clichê afirmar o quanto de Twin Peaks há em Lost, Fringe, Arquivo X e diversas outras séries. Não só por emendar mistérios, segredos, instigando o espectador a imaginar o que está por vir, criando o perfil de 'viciados' em série tão comum hoje em dia, mas também por englobar uma multiplicidade de gêneros. Como classificar Twin Peaks? Há humor, suspense, drama, terror, romance, nonsense, muitas vezes todas estas características ao mesmo tempo. Ou seria tudo apenas uma grande propaganda de café, como já chegou a se especular?

Outro destaque do programa é a trilha sonora. Angelo Badalamenti criou a atmosfera perfeita para o clima da série, com música soturna, enigmática, envolvente, muitas vezes dialogando emocionalmente ou realçando o mistério das cenas assistidas. E, provavelmente, é a série com o elenco feminino mais bonito da história. Mädchen Amick, Lara Flynn Boyle, Peggy Lipton, Sherilyn Fenn (Ah, Audrey Horne...), todas lindíssimas.  

É opinião quase unânime que a primeira temporada é superior à segunda. No entanto, assistindo pela segunda vez, notei algo que pouco se comenta. A primeira temporada é muito curta - apenas sete episódios, além do piloto - e, se levarmos em conta o mesmo número de episódios da segunda fase, encontramos oito capítulos tão bons ou melhores do que os de apresentação. O problema é que os produtores foram obrigados a revelar a identidade do assassino de Laura Palmer e, depois disso, os criadores da série, David Lynch e Mark Frost, afastaram-se e o programa perde parte da força. O motivo é que o  bizarro lynchiano  e as características surrealistas presentes até então perdem-se em momentos constrangedores como a "volta à infância" de Nadine ou o ridículo ataque da doninha. 

Apesar desses contratempos, a temporada mantém o interesse simplesmente porque o mundo de Twin Peaks é fascinante demais e mesmo episódios menos interessantes são acompanhados com prazer. Sem contar que David Lynch retorna nos capítulos finais e termina brilhantemente com um episódio final destruidor, absurdo e brutal. E ainda deixa um gancho excelente para uma terceira temporada que nunca veio. Devido à queda de audiência, o seriado foi cancelado, deixando um final instigante e perturbador, e, mais do que isso, aberto aos meandros criativos de cada turista habitante desta cidade sombria e encantadora.


Por Ricardo Pereira

Nenhum comentário:

Postar um comentário