"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Cruzamento de passagens

Despertou num sobressalto, como se tivesse acabado de sair de um pesadelo. Embora ainda atordoado por algo que ele não sabia ao certo, levantou-se e caminhou lentamente para fora do quarto.

A luz do banheiro, cômodo instalado à frente, estava acesa. Em vez de entrar, parou por um instante num cruzamento de passagens. À esquerda, o quarto de hóspedes – estava fechado; à direita, a saída para a escadaria que levava à rua.

A porta da última estava aberta. Conseguiu ver algumas casas vizinhas e as estrelas que brilhavam no céu.

O silêncio do momento contrastava com o nervosismo que explodia dentro de seu peito e irradiava por todo corpo. Mesmo assim, num esforço sobre-humano, tentou manter uma postura cuidadosa.

Sabia que algo muito estranho estava acontecendo.

Respirou fundo. Fez o curto caminho de retorno ao quarto em que dormia com a esposa da maneira mais sorrateira possível. Em sete passos estava dentro do cômodo. Não ousou acender a luz, mas, ao virar o rosto em direção à cama, notou que sua mulher não estava no local.

Tomado pelo desespero, decidiu vistoriar o banheiro.

Estava com os sentidos enlouquecidos. Tremores tomavam seu corpo de assalto. Cada passo até o local parecia pesar uma tonelada, e o contato do pé com o chão causava verdadeiro choque.

Com os braços esticados e as mãos apoiadas nas laterais da porta, colocou, pouco a pouco, a cabeça dentro do cômodo. Parecia se mover em slow motion.

Lá dentro, um recipiente para roupas sujas. Uma balança de peso. Uma pia com pentes, escovas, pasta de dente, cremes e demais utensílios de higiene. Um vaso sanitário.

E um corpo estendido no chão.

Assustou-se e recuou num gesto brusco, jogando o corpo para trás. Desequilibrado, caiu dentro do seu quarto. Bateu a cabeça com força no chão, mas não sentiu nada.

Estava anestesiado pelo medo. Fez força para levantar, mas não conseguiu. Tentou gritar, mas a voz havia sumido.

Antes de perder os sentidos por completo, viu alguém chegando à porta do banheiro. Era a esposa, aos prantos. Ao lado dela, o vizinho da casa de baixo. A esposa ali, às lágrimas, com as mãos na cabeça, na entrada do banheiro, olhando para dentro do cômodo; o vizinho adentrando o recinto, olhos arregalados.

Tudo escureceu. Apagou ali mesmo, estendido no chão.

Estendido no chão do banheiro.


Por Hugo Oliveira

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