"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sábado, 23 de janeiro de 2016

Felicidade, engajamento e punk rock

Rendi-me ao Netflix no começo deste ano. Vários amigos já haviam dado a dica, mas a ausência de uma internet minimamente potente inviabilizava a assinatura. Resolvido o problema, hora de mergulhar no catálogo de filmes, séries e documentários que o serviço disponibiliza a seus associados.

Uma das primeiras escolhas foi o Joe Strummer: The Future is Unwritten, documentário de 2007 dirigido por Julian Temple. Strummer, vocalista, guitarrista e líder do grupo punk inglês The Clash, é o foco do filme, que oferece em pouco mais de duas horas um resumo da trajetória de um dos músicos de rock mais importantes de todos os tempos.

A forma de apresentação do documentário é simples, porém criativa. Vários amigos e personalidades influenciadas pelo músico, reunidos em volta de uma fogueira, presenteiam-nos com elogios, críticas e lembranças a respeito de Strummer, enquanto a voz do próprio oferece uma narração no estilo de um programa de rádio. Imagens e vídeos do cantor em todas as fases de sua vida são disponibilizados, enriquecendo ainda mais o filme.

A relação complicada com o pai, a adolescência quase hippie, as primeiras aventuras musicais, a ascensão e a queda do The Clash e anos posteriores à saída do conjunto são retratados com destaque ao longo do documentário. Mais do que uma obra sobre o músico, a película retrata igualmente o homem por trás do ídolo. Assim como qualquer ser humano, Strummer acerta e erra ao longo de sua caminhada, demonstrando que a jornada é imprevisível. E não está escrita.

Strummer levou a utopia de mudar o mundo com a música às últimas consequências. Enquanto seus pares estavam mais interessados em chocar através de jogadas de marketing geniais – Sex Pistols – ou de uma inaptidão musical e de um revisionismo travestidos de qualidades – Ramones –, à frente do Clash ele era político até não poder mais, urgente, perigoso. Os shows ao vivo do conjunto eram famosos pela entrega de seus integrantes. A banda era uma verdadeira gangue no palco, preparada para lutar. Um round e pronto: o público era nocauteado positivamente.

Ainda assim, não existe lutador invencível. A fama, o uso de drogas e as diferenças musicais e pessoais entre os membros do quarteto foram minando a união do grupo, que jogou a toalha já sem a formação original, durante a turnê que divulgava o fraco Cut The Crap (1985). Por um tempo, Strummer viveu fora da cena musical. O retorno se deu aos poucos, e o processo não foi fácil. Primeiro, gravou um álbum solo que foi mal recebido pela crítica e pelo público; depois, fundou um projeto intitulado Joe Strummer & The Mescaleros, que lançou bons discos, mesmo não alcançando a glória de suas antigas obras. A movimentação o deixou mais feliz, colocando-o de volta ao ringue. O guerreiro, pouco a pouco, voltou à forma.

Morte ou glória. Este era o título de uma de suas mais antológicas canções, oriunda de um disco que figura em qualquer lista séria de melhores de todos os tempos, London Calling (1979). Joe Strummer não estava brincando quando escreveu a música, mas ao final da vida, remodelou a letra dela através de sua própria experiência. Em 2002, o músico sofreu um ataque do coração por conta de um problema congênito – e desconhecido por ele. Tinha apenas 50 anos. Uma grande perda para familiares, amigos e fãs.

Joe morreu, mas a glória de se manter fiel às convicções e às paixões seguiu com ele até o final da vida. As últimas imagens do músico mostram não um jovem senhor, mas um menino, feliz em poder fazer aquilo que mais gostava.
Vai ver que o punk rock era sobre isso: felicidade e engajamento.






Por Hugo Oliveira 





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