"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Outros tesouros


A notícia relacionada ao fechamento de vários sebos e livrarias no Rio de Janeiro coloca em alerta máximo gente como eu, que não abre mão de uma bela sessão de “garimpo” em qualquer estabelecimento do tipo.  Só de pensar que gerações futuras poderão perder a chance de percorrer esses verdadeiros labirintos, muitas vezes empoeirados, de palavras e ideias, substituindo-os pela fria e impessoal compra pela internet, já bate um medo danado.

Não que adquirir volumes pelo comércio digital seja ruim. A grande disponibilidade de títulos, as promoções imperdíveis, a facilidade referente ao processo, enxergo tudo de uma forma muito positiva. Mesmo assim, não existe nada mais prazeroso do que vasculhar estantes recheadas de volumes ao vivo. Encontrar aquele verdadeiro tesouro que, em muitas ocasiões, ainda pode vir recheado com outros tesouros.

No começo de janeiro deste ano visitei uma feira de livros na cidade onde moro, Angra dos Reis. Umas sete barracas lotadas de obras para todos os gostos. Gastei R$ 20,00 e levei seis volumes. Três adquiridos por R$ 5,00 cada, dois por R$ 2,00 cada e um Júlio Cortázar por R$ 1,00. Felicidade total!
Ao voltar para casa, resolvo folhear melhor os livros, examinar as lombadas, enfim, sentir o clima de cada um. Em dois deles, encontro marcas das pessoas que, ao menos por algum tempo, estiveram diretamente ligadas aos volumes.

No livro “Criaturas Flamejantes”, de Nick Tosches, quarto volume da Coleção Iê Iê Iê – Editora Conrad –, existe uma dedicatória escrita logo na primeira página, assinada por “Dani”, no dia 15 de maio de 2014 – foto abaixo. Arrisco-me a dizer que a pessoa responsável pelas palavras já havia lido a obra e, encontrando algo muito importante nela, resolveu presentar alguém ou até mesmo um possível pretendente. Torço para que tudo tenha dado certo.

                                              


Em outro livro, “Música para Camaleões”, do jornalista e escritor Truman Capote – Editora Nova Fronteira –, o tesouro é ainda mais saudosista. E enigmático. Na página 59, acho uma foto de uma jovem com seus 16, 18 anos, em preto e branco – abaixo. Do lado de trás da fotografia, o dia e o ano em que o retrato foi tirado, 17 de agosto de 1977, e o local, algo como Mauá Foto Studio, na Rua Mariz e Barros, Tijuca, Rio de Janeiro.

                                               


Por que aquela foto estava ali? Estaria apenas marcando a página em que o leitor havia parado ou teria um significado maior? Pertenceria a algum rapaz apaixonado? Quem sabe teria sido colocada ali pela própria menina da fotografia? Muitas hipóteses e nada de concreto. Um mistério delicioso e, quem sabe, possível de resolver?

O livro custou R$ 5,00. Quer saber? Estou disposto a entrega-lo à garota da foto, mesmo que ela não tivesse sido a real dona dele. Abrir aquele volume e dar de cara com a fotografia em preto e branco foi ainda mais mágico do que encontrar a obra por uma quantia módica. Se o leitor quiser me ajudar nessa empreitada, é só compartilhar este texto. Quem sabe a menina não aparece?

Aparecendo ou não, os questionamentos oferecidos pela história já valeram. Não tem preço que pague essas marcas tão pessoais deixadas nos livros. Lembrei-me de uma história ainda mais incrível, vivida pelo companheiro de blog Ricardo Pereira. Vou tentar resumir: Ricardo e sua família viveram por muito tempo no bairro de Bangu, no Rio de Janeiro. Conheceram Angra dos Reis, se apaixonaram pela cidade e, no começo dos anos 90, vieram tentar a vida no município famoso pelas 365 ilhas.

Ricardo era um adolescente quando veio morar em Angra. Após terminar o segundo grau, voltou ao Rio, ao mesmo bairro em que vivia, para fazer um cursinho pré-vestibular. Instalado na casa de uma conhecida de sua família, resolveu passear pelas redondezas – arrisco dizer que para procurar CD’s e livros. Em pouco tempo ele descobre um sebo. Lá dentro, já no processo de garimpo, encontra o “Cem anos de solidão”, obra-prima do escritor Gabriel García Márquez. Abre o livro e, pasmem, acha a assinatura do próprio pai.

Daqueles momentos para nunca mais esquecer.


Por Hugo Oliveira


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